RACISMO: ENTENDA COMO A LEI É APLICADA NO BRASIL

RACISMO: ENTENDA COMO A LEI É APLICADA NO BRASIL

Você sabe como lei e racismo se relacionam no Brasil?

Hoje, debater sobre racismo ainda costuma causar bastante discussão em rodas de conversa, uma vez que alguns indivíduos acreditam que esse preconceito permanece na sociedade, enquanto outros defendem a sua inexistência.

A verdade é que, sim, o racismo existe e se mostra cada vez mais presente em nossa sociedade. Por isso, as legislações que visam combater o racismo e quaisquer atos de discriminação são importantes para a igualdade — sendo fundamental que os operadores do Direito tenham conhecimento sobre o assunto.

Se você tem interesse em aprender mais detalhes sobre o tema, continue a leitura que preparamos um artigo para você entender a relação entre lei e racismo no Brasil. Não perca!

Qual o conceito de racismo?

O racismo pode ser conceituado como uma discriminação social que ocorre com base na superioridade de determinada etnia, raça ou uma característica física em detrimento de outra, como a que ocorreu na escravidão. O racismo também pode ter relação com a política desenvolvida pela nação. Na Alemanha, por exemplo, a ideologia nazista perseguiu e exterminou pessoas com base em argumentos sobre a superioridade da raça ariana.

É possível dizer que existem diversos fatores que podem desencadear o racismo. No entanto, todas elas têm como base a ideologia de superioridade. No Brasil, desde 1989, o racismo é um crime inafiançável e imprescritível previsto na legislação e, portanto, quem comete esse ato pode ser condenado, mesmo anos depois do crime.

Assim, como o racismo é um sistema de opressão, é preciso haver um oprimido e um opressor para que se caracterize uma relação de poder. Assim, seria uma determinada etnia se considerar superior à outra. Por isso, quando nos deparamos com o termo “racismo”, a primeira coisa que costumamos pensar é o tipo de racismo cometido contra a população negra. Contudo, há discussão ate mesmo sobre o que é ser negro, de fato.

Inicialmente, é preciso esclarecermos determinados conceitos. No Brasil, em geral, o racismo acontece com base no fenótipo. Por isso, ser negro no Brasil é diferente de ser negro nos Estados Unidos, por exemplo.

No Brasil, por mais que uma pessoa apresente determinada fisionomia característica da população negra, como cabelo crespo ou cacheado, lábios mais carnudos etc., se a sua cor de pele for branca, ela é considerada branca pelo senso comum, mesmo nos casos em que um de seus progenitores é negro.

No entanto, se a mesma situação ocorre nos Estados Unidos, você pode ser chamado de negro e, portanto, estar sujeito a sofrer racismo, uma vez que cada país teve um processo de colonização diferente.

Como o racismo acontece?

O racismo pode se manifestar de diferentes maneiras para cada pessoa ou grupo, uma vez que existem diversas variações para essa prática. A seguir, vamos apresentar mais detalhes sobre cada um dos tipos de racismos que podem ocorrer.

Racismo cultural

O racismo cultural defende que determinada cultura é superior à outra. Isso pode ser exposto por meio de músicas, crenças, idiomas, religiões, entre outros fatores englobados no conceito de cultura.

Racismo comunitarista

Já o racismo comunitarista, também chamado de preconceito contemporâneo, prega que a raça não é biológica, mas sim proveniente de determinada cultura ou etnia.

Racismo ecológico

O racismo ecológico ou ambiental, por sua vez, é praticado contra a natureza, mas com o objetivo específico de prejudicar determinados grupos e comunidades, como os indígenas.

Racismo individual

O racismo individual parte de uma pessoa por meio de seus interesses, atitudes e pensamentos pessoais, inclusive, os relacionados a estereótipos.

Racismo institucional

O racismo institucional é praticado por instituições e pode ser comprovado por meio de dados, números e estatísticas. Essa prática costuma ocorrer em locais onde os negros são marginalizados, como no ambiente de trabalho e escolar.

Racismo primário

O racismo primário não apresenta justificativas e ocorre de maneira emocional e psicológica.

Qual é a diferença entre racismo e injúria racial?

No Brasil, quando um crime racial é cometido, ele pode se enquadrar como racismo ou injúria racial, a depender da atitude do agressor, uma vez que, ao contrário do que muitas pessoas pensam, existem diferenças entre eles. A injúria racial tem previsão no Código Penal, especificamente no parágrafo 3º do artigo 140, que determina pena de reclusão de 1 a 3 anos e o pagamento de multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la.

Conforme previsto no dispositivo legal, injuriar uma pessoa quer dizer ofender a dignidade ou o decoro usando elementos de cor, raça, religião, etnia, origem ou condição de pessoa com deficiência ou idosa. Assim, o crime de injúria racial costuma se associar ao uso de expressões que depreciam um indivíduo por causa de sua raça ou cor, com o objetivo de ofender a sua honra.

Um exemplo de injúria racial aconteceu em um jogo de futebol, no qual os torcedores do time do Grêmio, de Porto Alegre, insultaram um goleiro negro chamando-o de “macaco” durante o jogo. Na ocasião, o Ministério Público ingressou com uma ação no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que acatou a denúncia por injúria racial e, na ocasião, aplicou medidas cautelares, como impedir que os acusados frequentem estádios de futebol.

Já o crime de racismo, por sua vez, está previsto na Lei nº7.716/1989 e tem relação com uma conduta discriminatória dirigida a um determinado grupo ou coletividade e, em geral, se refere a crimes mais amplos. Quando o racismo é cometido, o Ministério Público é a parte legítima para processar o ofensor.

A referida legislação aponta diversas situações como crime de racismo, como impedir ou recusar acesso a estabelecimento comercial, obstar ou negar emprego em empresa privada, impedir o acesso a entradas sociais ou elevadores em edifícios, por exemplo, em razão da raça de determinado grupo.

Também são tipificadas como crimes atos como impedir inscrição de um estudante em estabelecimento de ensino, recusar atendimento em restaurantes ou bares, recusar hospedagem em hotel ou semelhantes e, até mesmo, recusar atendimento em barbearias.

Para muitas pessoas, essas atitudes parecem tão impensáveis que nos passam a impressão de terem ficado no século passado, não é mesmo? Infelizmente, não. A realidade é que muitas pessoas ainda sofrem no Brasil com esse tipo de conduta, ainda que de forma velada.

É válido ressaltar que a efetividade do tipo penal de racismo foi, de certa forma, afetada pela criação do tipo penal de injúria racial, uma vez que diversos atos discriminatórios envolvendo raça são enquadrados como injúria. Assim, o racismo pode ser descrito como uma conduta discriminatória dirigida a determinado grupo ou coletividade que é imprescritível, inafiançável e uma ação penal pública incondicionada. Ou seja, um crime de maior potencial ofensivo.

Já a injúria racial ocorre quando há ofensa à honra de determinada pessoa em razão de sua cor, raça, origem ou etnia. Nesse caso, trata-se de uma ação penal pública, condicionada à representação do ofendido que cabe fiança e prescreve em 8 anos. Por isso, são cometidos mais crimes de injúria racial que os que envolvem o tipo penal de racismo. Em geral, isso costuma ocorrer em razão da dificuldade de identificar o destinatário final da ofensa ou do ato discriminatório como uma coletividade.

Por isso, muitas vezes, é questionado se o crime de racismo, apesar de contar com previsão na lei, está, de fato, cumprindo com sua proposta na prática, uma vez que a maioria dos delitos se enquadra como injúria racial.

Nesse sentido, de acordo com uma pesquisa feita pela “GloboNews“, somente 244 processos de injúria racial e racismo foram finalizados no estado do Rio de Janeiro, entre os anos de 1988 e 2017. O baixo número de casos oficiais não quer dizer que esse tipo de prática não é frequente na sociedade, mas sim, que o país ainda não consegue solucioná-las e puni-las da maneira devida, apesar das disposições constitucionais existentes.

Existe racismo no Brasil?

O conceito de que o Brasil não é um país racista — por não ter tido uma legislação de segregação, assim como nos EUA, ou em razão da sua história de miscigenação — é incorreto, mas persistente. Ou seja, a ideia de que no Brasil há uma “harmonia racial”, hoje, é vista primordialmente como um mito, uma vez que o racismo estrutural pode ser percebido em diversos pontos do cotidiano.

Assim, apesar de haver o senso comum de que o Brasil consiste em uma democracia racial, na qual não há preconceito racial ou que seus efeitos são superficiais, sem grandes implicações para a cidadania dos negros, a verdade é que diferentes indicadores socioeconômicos conseguem demonstrar as desigualdades sofridas pela população negra em diferentes ramos, como no acesso a oportunidades, com relação à violência, no mercado de trabalho etc.

O racismo ainda é um problema que existe no Brasil nos dias atuais, sendo um reflexo da herança escravocrata do país, com percepções e estereótipos que sobrevivem até hoje. São manifestações flagrantes do racismo os casos de tortura, ou mesmo, de assassinato de jovens negros em lojas, supermercados e shoppings, bem como os casos de restrição dos direitos civis e discriminação racial.

Qual é o papel da lei para combatê-lo?

Houve o tempo quando os negros eram livres, até que veio a escravidão. Após, a liberdade foi instituída, mas o preconceito ainda permaneceu. Existiu até mesmo uma época na qual discriminar as pessoas por causa de sua cor de pele era socialmente aceito e, perante a justiça, quem praticava esse ato cometia somente uma contravenção penal.

Além disso, o estado brasileiro impôs diversas políticas racistas no período pós-abolição que ajudaram a subalternizar a população negra. Há pouco mais de 30 anos, a legislação nº7.716, que define os crimes de racismo, surgiu justamente para tentar colocar um fim nessa situação de desigualdade.

No entanto, não podemos esquecer que a referida legislação conta com apenas 30 anos e que surgiu 100 anos após a abolição, sendo que o Brasil é um país que viveu 350 anos de escravidão.

A legislação citada surgiu por causa do movimento internacional de proteção e combate à discriminação, cuja finalidade era promover a igualdade entre os povos. Nesse sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, criada em 1948 pela Organização das Nações Unidas (ONU), dispõe que:

Artigo 1º: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Artigo 2º: Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

Mais um relevante documento internacional ratificado pelo Brasil foi a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial. A referida convenção faz parte do sistema especial de proteção dos direitos humanos e diz respeito ao combate à discriminação por cor, etnia, sexo, classe social, idade, entre outros.

Na prática, muitas pessoas defendem que uma lei relacionada ao tema demorou a ser criada no Brasil, uma vez que a sociedade tardou a ter consciência de que era preciso contar com um dispositivo legal, a fim de coibir tais práticas. Assim, apesar de a lei não conseguir impedir o racismo, já que ainda temos vários casos que envolvem a discriminação, se trata de uma importante ferramenta para a punição daqueles que cometem esse crime.

Hoje, existem outros projetos de leis que se relacionam com o racismo. Um deles deseja incluir a motivação por racismo como agravante para os crimes previstos no Código Penal, por exemplo. Existem também projetos de leis que visam igualar a injúria racial ao racismo, transformar o racismo em crime hediondo, coibir o racismo em eventos esportivos, tipificar o racismo cometido na Internet etc.

O que a lei brasileira diz sobre racismo?

Como vimos, de acordo com a legislação brasileira, existem punições diferentes para os crimes de racismo e injúria racial. O racismo é configurado quando uma pessoa se recusa ou impede o acesso de uma pessoa a estabelecimentos comerciais, ambientes públicos, entradas sociais ou se recusa a empregar negros.

O crime não prescreve e não cabe fiança, ou seja, quem o pratica pode ser punido independentemente de quando cometeu o crime. Nesse sentido, há a seguinte previsão constitucional:

Art 5º, XLII, CF: a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.

Além disso, o artigo 4º da Constituição Federal apresenta os seguintes princípios:

 “I – independência nacional;

II – prevalência dos direitos humanos;

III – autodeterminação dos povos;

IV – não-intervenção;

V – igualdade entre os Estados;

VI – defesa da paz;

VII – solução pacífica dos conflitos;

VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo;

IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;

X – concessão de asilo político.”

O referido inciso assegura o direito à não discriminação de qualquer pessoa por causa de raça, bem como prevê a pena do crime em lei. É válido ressaltar que essa é uma maneira de promoção do direito à igualdade — garantia fundamental e imprescindível para a democracia.

Já a injúria racial ocorre quando uma pessoa tem a sua honra ofendida com o uso de elementos como cor, raça, religião, origem ou etnia. Ou seja, ela se relaciona com o uso de palavras com teor ofensivo ou depreciativo referentes a raça ou cor.

O crime de injúria conta com previsão no Código Penal. Nesse caso, o condenado deve cumprir pena de detenção de 1 a 6 meses ou multa. Nos casos em que a injúria contém elementos relacionados a cor, raça, origem, etnia, religião, condição de pessoa idosa ou deficiente, aumenta para reclusão de 1 a 3 anos.

Além da previsão constitucional prevista no inciso XLII do artigo 5º, a criminalização do racismo também é assegurada pela Lei do Racismo (Lei nº 7.716/1989). Inclusive, de acordo com uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal, a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero também se enquadra em discriminação de “raça” e, portanto, configura crime de racismo. Isso quer dizer que o ato de homofobia é um ato racista e, portanto, punível nos termos da legislação.

Uma situação emblemática que ocorreu de racismo foi o caso Ellwanger, um editor e escritor acusado de disseminar ideias racistas contra judeus em seus livros. Na ocasião, o STF observou se o preconceito contra a religião se enquadra no racismo e se sobressairia ao direito à liberdade de manifestação, expressão e pensamento. No fim, a corte entendeu que as ideias propagadas pelo autor eram essencialmente racistas.

Quais são os seus objetivos?

A criminalização do racismo tem como objetivo a diminuição da desigualdade em relação à raça, nos termos dos objetivos assumidos no texto da Constituição Federal. No Brasil, trata-se de um ponto fundamental, uma vez que apesar de a maior parte da população ser negra — 54,9%, de acordo com o IBGE — o racismo pode ser observado em todas as esferas.

Nesse sentido, podemos fazer uma análise sobre a quantidade de indivíduos negros que ocupam determinados cargos e posições no Brasil, a fim de obtermos um indicativo sobre o racismo estrutural:

  • entre os encarcerados, 66% são negros, conforme dados disponibilizados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, no ano de 2019;
  • de acordo com dados de 2018, do IBGE, 64% dos desempregados são negros;
  • entre os juízes, conforme o Censo do Poder Judiciário, feito em 2014, apenas 1,4% são negros.

Além da questão empregatícia, os negros também sofrem com o racismo em outras áreas, como demonstram os seguintes apontamentos:

  • a cada 10 mães mortas no parto 6 são negras, de acordo com dados de 2014 do Ministério da Saúde;
  • o feminicídio também é maior entre esse grupo, uma vez que 73% das vítimas de homicídio são mulheres negras, conforme pesquisa feita pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP).

Com base nesses dados, é possível perceber quanto a sociedade ainda reflete as marcas da escravidão atualmente — o que faz com que a população negra tenha baixos índices de educação e emprego e, como consequência, elevados índices de desempregados e encarcerados.

Assim, a relação entre lei e racismo é direta, uma vez que há uma clara necessidade de políticas públicas que tem como objetivo o combate ao racismo e que proporcionem igualdade de oportunidades aos indivíduos de todas as raças, sendo esse o principal objetivo das legislações voltadas ao tema.

Quais são as consequências de descumprir a lei?

Quando um crime de racismo é cometido, por causa da gravidade da conduta e em razão da intenção constitucional de acabar com a realidade discriminatória de raça no Brasil, o acusado não pode esperar pelo seu julgamento em liberdade provisória, mesmo se pagar fiança.

A liberdade provisória só deve ser concedida nos casos em que os requisitos autorizadores da prisão preventiva não são cumpridos. Nesse sentido, a intenção constitucional de reprovação do racismo é tão relevante que a pessoa que comete esse crime pode ser responsabilizada a qualquer tempo, sem prazo para que seja acusada e condenada.

Além disso, a pena pelo crime de racismo deve ser obrigatoriamente a de reclusão, o que quer dizer que o condenado por essa prática pode ser submetido à prisão em regime fechado. No entanto, é válido destacar que somente as punições para quem comete o racismo não são o bastante. O ideal é que haja uma mudança na educação, para que o racismo seja enfrentado e combatido em suas mais diversas escalas.

Agora que você já sabe como lei e racismo se relacionam no Brasil, fique atento e na dúvida, consulte um advogado especialista nas causas que envolvem esse tipo de crime, pois este irá defender os interesses de seus clientes da melhor maneira possível.

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Sobre o autor

• Graduado pela Universidade Ibirapuera/SP;

• Pós Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Escola Paulista de Direito;

• Pós Graduado em Direito Civil e Processo Cível pela Faculdade Legale;

• Pós Graduando em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade Legale.

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